terça-feira, 23 de setembro de 2008

Comunicação é melhor quando incomoda

Cláudio Weber Abramo diretor da Transparência Brasil fala de mídia e amadurecimento da democracia .

Título original da entrevista: A comunicação tanto é melhor quanto mais gente incomoda


Formado em Matemática e pós-graduado em Filosofia da Ciência, Cláudio Weber Abramo é conhecido pelo modo duro e contundente com que faz suas críticas. Por cerca de nove anos, trabalhou no jornalismo brasileiro, entre os quais os periódicos “Folha de S. Paulo” e “Gazeta Mercantil”. Há oito anos, ele integra a organização Transparência Brasil, criada com a motivação do combate à corrupção. Nesta entrevista, ele fala sobre a relação entre mídia e democracia.


Qual o papel da mídia no processo de amadurecimento da democracia de um país?


Um dos componentes fundamentais da democracia é a existência de meios de comunicação independentes do Estado. No entanto, a independência do veículo só é possível se há independência econômica. Se eles não têm recursos de receitas publicitárias e ainda assim conseguem se manter, esse dinheiro sai de algum lugar. E sai do Estado, da publicidade oficial. Isso ocorre não apenas em lugares distantes, acontece em São Paulo também. O Brasil tem entre 600 e 700 jornais diários, mas há poucos veículos de comunicação que são realmente independentes.


Os meios de comunicação de massa brasileiros, em especial a televisão, têm efetivamente contribuído para um avanço na participação política da população?


O rádio e a televisão são os meios de comunicação mais significativos que temos. Existe a questão da hegemonia, como é o caso da Rede Globo. Mas não vejo esse domínio como algo totalmente ruim. A Rede Globo é, certamente, um fator de civilização em grande parte do país. Devido à organização em rede, algumas notícias podem ser divulgadas em âmbito nacional. Um exemplo é o caso do escândalo recente no governo do Maranhão. Se dependesse das TVs locais, os maranhenses nunca saberiam o que aconteceu. Só souberam porque saiu no Jornal Nacional. A notícia teve de vir de fora. Ou seja, embora esse domínio da Rede Globo seja criticado por muitos, essa presença massiva é benéfica em certas circunstâncias. E as pessoas só podem aperfeiçoar sua opinião sobre o que acontece na sociedade se forem bem informadas.


Como o senhor avalia o horário político obrigatório nas redes de rádio e televisão?


O horário político obrigatório não esclarece e por uma razão óbvia: não há o contraditório. Há carência de informação para a escolha dos cargos de vereador e deputado. Essa informação chega muito mal ao eleitor. Eu não acredito que a televisão possa fazer alguma coisa para mudar isso. Vou morrer sem ver a televisão investir no contraditório. Porque o contraditório, no Brasil, é visto como algo feio. As eleições se resolvem pelo marketing e me parece que são decididas pelos marqueteiros. Só que o marketing eleitoral é, basicamente, mentiroso. Procura injetar uma mentira. E se a população vota sem discutir, votará mal.


De que forma a televisão pode inserir, em sua grade cotidiana, programas que contribuam para ampliar o debate democrático no país?


Não sei, vejo muito pouco a televisão hoje, só assisto besteira. Mas talvez investir em debates, notícias. E não achar que a discussão é feia. A comunicação tanto é melhor quanto mais gente incomoda. A tendência dos dirigentes de TV é evitar o controverso. Nunca vou assistir num canal aberto uma discussão sobre ateísmo, por exemplo. Queria ver. Chama um padre, um estudioso e um ateu. Não vai acontecer isso na televisão, porque há um enorme receio de perder público ao cobrir assuntos controversos. A mentalidade é muito tacanha, dominada pela publicidade. A atitude é de vender a informação, mas informação não deve ser vendida.


A Transparência Brasil recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Melhor Contribuição à Imprensa, em 2007. É uma prova de que a imprensa ainda depende de ferramentas externas para avaliar os políticos?


A informação em estado bruto não serve para nada. Há um emissor, que no caso dos assuntos políticos, é o Estado. Para que a informação seja inteligível, alguém precisa processá-la. Os jornalistas precisam desses “intérpretes da notícia” e, muitas vezes, a própria mídia faz esse papel.


O jornalismo brasileiro é meramente declaratório. Fulano diz isso e ciclano diz aquilo. Mas o que isso quer dizer?


O jornalista tem dificuldade em entender a situação. E as faculdades não contribuem em nada para a formação desse profissional. Sem contar o agravante que temos em municípios menores, em que o jornalista acumula a função de assessor de imprensa de órgãos estatais. A ferramenta Excelências, criada pela Transparência Brasil [que reúne informações sobre a atuação dos políticos brasileiros], é usada por jornalistas, mas mesmo eles têm dificuldades em explorá-la além da superfície. Claro que os jornalistas são nosso público prioritário, porque a imprensa é multiplicadora, mas não se restringe a eles. Pensamos que é útil para o eleitor.


Fonte: Observatório do Direito à Comunicação / Revista Sesc TV (18.09.2008)